Com amor, seu genro

Wilkner Anderson
4 min readNov 22, 2023

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Sim, meu nome é Wilkner. Nome estranho, né, mas ela gostou… não do nome, mas do partidão que eu sou! Hehehe! Tô um pouco nervoso sim, ela fala muito da senhora e, sabe, é que sou tímido mesmo, falo pouco, mas sou legal. Sua filha é linda! Ela tem um um jeitinho de observar que…ela coloca o rosto assim, oh, que fica numa posição alinhada com o ombro… assim, oh, oh... E ainda fica com um olhar inclinado, tipo... Já reparou? É…isso mexe demais comigo! Quando junta aquele sorriso contido, de lábios serrados e aí vem a beleza daquelas covinhas aparecendo, então, meu amor só renova.

A Pri me falou que ela parece muito com a senhora, no jeito, no trato com as pessoas. Que tem pouca paciência, mas um coração enorme. Ela reconhece que tem uma personalidade forte, é independente, aguerrida, faz um monte de coisas. Com certeza ela puxou tudo isso da senhora, né? Se reconhece? Sim, ela é igualzinha a senhora como dizem. Não para quieta, tá sempre fazendo algo, pensando em coisas novas, diferentes, planejando, falando de sonhos. Eu admiro, sabe. As vezes é um pouco difícil de acompanhar, mas eu estou sempre ao lado dela — ela anda rápido, né? Não, não fico sentado no sofá na frente da TV igual o seu esposo… sim, gosto de futebol, mas assisto pouco.

Olha, ela comenta muito das receitas que a senhora faz. Ela confessou pra mim que vai pegar seu livro de receitas como herança, viu? Ela te viu fazer muitas coisas, ela sempre tenta lembrar um detalhe ou outro, um tempero ou outro. Esses dias comentou da famosa Fanta laranja, a base de cenoura e suco natural de laranja. Era o que vocês conseguiam na época, né? A Fanta original era bem cara e pra 6 pessoas ficava difícil. Opa…sim, ela lembra disso: inclusive, pelo olhar dela quando me contou pareceu que ela relembrou o sabor! Uma outra coisa que ela conta (e que a Dê confirmou) é que, quando criança, ela não saia “debaixo da sua saia” tamanha a vergonha das pessoas ao redor e a senhora falava algo como: sai daí menina!

O cuidado que ela tem com a casa, ela mesmo reconhece, vem da senhora. Ela comenta do seu zelo, cuidado e do apreço enorme pelas suas coisas, sua cozinha! Que esse lugar era impecável de arrumada, mesmo quando o piso de concreto horrível, com a casa ainda inacabada e o seu Gilberto priorizando comprar TV nova ao invés de fazer uma reforma. Sim, ela me contou. Ah, não é nada demais, faz parte da nossa história e isso molda personalidade, né? Ela foi sua aprendiz e acho que aprendeu direitinho, porque ela virou professora e tem me ensinado tudo — ela te falou que não tem obrigação de me ensinar, né?, e concordo com ela.

Estamos nessa casa nova em Jundiaí, que tem nos feito muito bem. Temos uma rotina para adaptar, mas faz parte. Aos poucos as coisas se encaixam. Desconfiamos que a senhora vem nos visitar. De vez em quando eu sinto cheiro de cigarro. Não fumamos, nossos vizinhos também não, então, só pode ser a minha sogra. Olha, ela me contou que a senhora fumava enquanto descarregava o marrom no vaso sanitário. Sim, ela me falou isso! É engraçado, mas não briga com ela por isso. Essas histórias nos faz íntimos, aliás, me fazem sentir parte desses momentos, me traz pertencimento à família.

Outra coisa: eu acho sua letra muito bonita! Queria que a minha fosse ao menos um pouco parecida e uniforme como a sua. Sim, eu vi algumas das cartas que a senhora escreveu pra ela, os recadinhos carinhosos. Ela os têm guardado — e não foi só isso. Na mudança para Jundiaí, tinha pastas, caixas e sacolas com coisas suas — inclusive uma orquídea que até eu me preocupo em regar. Ela recorda momentos e histórias, das suas aventuras, idas para Aparecida, do terço, o tempo no Seicho-No-IE e na igreja, local dos amigos que ela fez e leva para a vida toda — graças ao EJC. Sem falar dos ciúmes que ela tinha dos que, ao invés de irem na sua casa para falar com ela, queriam conversar com a senhora. Sim….ela me contou que isso acontecia!

Sabe, de tudo isso, o que mais me entristece é não ter tido essa conversa de forma real com a senhora, de papear sobre os mais variados assuntos do nosso mundão, afinal, sua inteligência e argumentação é famosa. Debater ideias seria uma honra! Eu posso imaginar esse diálogo, como tudo que contei aqui, mas eu nunca terei essa oportunidade nesta vida. Posso sentir que a senhora está perto — e sei que está cuidando dela, da gente, da casa, dos seus filhos, netos e irmãos. Hoje, 22 de novembro, seria o seu aniversário e, mesmo não estando aqui, a senhora permanece viva, atuante e presente, na mente daqueles que com a senhora conviveram e, mais ainda, deste que vos escreve, mesmo que nunca tenhamos trocado uma só palavra em vida. Com amor, seu genro.

Shakira — Despedida — Tema do filme O amor nos tempos do cólera

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Wilkner Anderson

Formado em Jornalismo e também em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Faz 10 anos que trabalho com projetos e testes de software .